O saber e o fazer
Postado: 12 maio 2019 12:31h
Autor: Richard Simonetti
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     O superdesenvolvimento intelectual, aliado à moral subdesenvolvida situam o Homem como pássaro de uma asa só. Ele a agita, tentando alçar voo, mas apenas gira em torno de si mesmo. Pensa voar. Afunda-se no chão. Sem a bússola do discernimento que as faculdades morais sustentam, alheia-se das realidades universais, enveredando por caminhos de ilusão.

     Paradoxalmente, quanto mais cresce em Ciência, no propósito de melhorar as condições de vida, maiores seus problemas e desajustes. Imaturo, situa-se como indisciplinado aprendiz de feiticeiro incapaz de bem aproveitar e controlar as próprias conquistas.

     Alfred Nobel estuda as propriedades da nitroglicerina e inventa a dinamite, destinada a favorecer pesquisas geológicas,  abertura de estradas, construção de pontes… Em breve o explosivo é largamente usado com intenções belicosas, semeando morte e desolação. Santos Dumont consegue fazer o mais pesado sustentar-se no ar – o avião (…). Logo sua invenção passa a ser usada para despejar bombas sobre populações indefesas (…). Sem o desenvolvimento das faculdades morais, todas as conquistas do Homem apenas acentuam sua megalomania, preocupado em desenvolver recursos que favoreçam conforto e bem-estar, sem considerar reações que poderão colocar em risco a própria sobrevivência. Poluição atmosférica, devastação das florestas, buracos na camada de ozônio, dizimação de espécies animais e vegetais são apenas alguns dos problemas gerados pela inconsequência humana, nos domínios da Natureza.

     Sem falar no desentendimento geral, nas dificuldades de relacionamento, envolvendo família, comunidade, Estado, nações (…), que se acentua cada vez mais, na medida em que indivíduos e coletividades pretendem cultivar autodeterminação sem autoeducação. Em vários círculos religiosos apregoa-se que o Terceiro Milênio mudará tudo, inaugurando o Reino de Deus, e que em breve haverá o Juízo Final. (…) Não haverá mais guerras; a Natureza será respeitada; imperarão a ordem e a harmonia; haverá paz nos lares; as coletividades conviverão sem atritos; será instalado o paraíso terrestre… É uma bela fantasia, animadora, sem dúvida, mas sem respaldo da boa lógica. Considerando que a mansuetude é a senha para a civilização cristianizada do Terceiro Milênio, como ensina Jesus, ao proclamar “bem aventurados os mansos, porque herdarão a Terra”, fosse ela exigida agora e seríamos todos despejados do planeta!

     Ninguém é promovido a santo do dia para a noite. Muita água rolará no rio do tempo, antes que os poderes que nos governam determinem o expurgo final, envolvendo os que não se adequarem aos valores evangélicos. (…) Até lá repetiremos experiências reencarnatórias que desbastam nossas imperfeições, em favor do desenvolvimento de faculdades espirituais que nos permitam enxergar além das humanas limitações(…), realizando o Reino em nós para que se estenda no mundo.

     Quanto tempo levará? Depende de nosso esforço por deixar os porões da indiferença e da ociosidade em relação aos objetivos da Vida. Nesse empenho não bastam as possibilidades do saber. Imperioso cultivar a sabedoria do fazer.

     Vale lembrar a experiência de um orador espírita. Eloquente, culto e didático, comentava os princípios espíritas-cristãos de forma primorosa mas, distraído, não se dava ao trabalho de observá-los. Durante anos, em suas palestras, notava a presença de um senhor de aparência humilde, que o ouvia atentamente. Quando a morte o reconduziu à pátria espiritual, nosso herói viu-se confinado em lúgubre região, destinada aos que falam muito bem sobre verdades eternas e cumprem muito mal seus ditames.

     Após algum tempo de solidão e sofrimento, foi socorrido por iluminado Espírito que atendia às suas angustiadas orações. Surpreso, constatou que era seu ouvinte de outrora. Um tanto decepcionado com as Celestes Diretrizes, que colocavam o professor em posição inferior ao aluno, perguntou:

     – Amigo, como conseguiu tão elevada posição?

O benfeitor sorriu.

– Simples, meu irmão.… Pratiquei o que você ensinava.

Richard Simonetti
Do livro: “O destino em suas mãos”

 

A natureza das vicissitudes e das provas que experimentamos pode também nos esclarecer sobre o que fomos e sobre o que fizemos, assim como julgamos, neste mundo, os atos de um culpado pelo castigo que a lei lhe inflige.

— Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Questão 399