Samuel, Saul e a pitonisa
Postado: 18 junho 2018 9:57h
Autor: Vicente Oliveira
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PARTE I

“Embora muita coisa seja estranha demais para se acreditar, nada é estranho demais que não possa ter acontecido.”
Thomas Hardy (1840 – 1928).

     As reflexões a seguir tiveram como escopo os registros bíblicos, que guardam, sob o nosso ponto de vista, interessantes vínculos com os chamados fatos espíritas, que foram analisados por Allan Kardec nas obras fundamentais da Doutrina Espírita. Trata-se das narrações contidas no Antigo Testamento, especialmente nos capítulos 9 e 28 do Livro 1 de Samuel.

Para compor esta parte inicial, foram selecionados os versículos 8-10 e 17-19 do livro “1 Samuel, Cap 9, a seguir reproduzidos, enquanto que o capítulo 28 será abordado na parte II.

 – O servo lhe respondeu: “Tenho três gramas de prata. Darei isto ao homem de Deus para que ele nos aponte o caminho a seguir”.

Antigamente em Israel, quando alguém ia consultar a Deus, dizia: “Vamos ao vidente”, pois o profeta de hoje era chamado vidente.

E Saul concordou: “Muito bem, vamos”! Assim, foram em direção à cidade onde estava o homem de Deus.

Quando Samuel viu Saul, o Senhor lhe disse: “Este é o homem de quem falei; ele governará o meu povo”.

Saul aproximou-se de Samuel na entrada da cidade e lhe perguntou: “Por favor, pode-me dizer onde é a casa do vidente?”

Respondeu Samuel: “Eu sou o vidente. Vá à minha frente para o altar, pois hoje você comerá comigo. Amanhã cedo eu contarei a você tudo o que quer saber e o deixarei ir.”

Nesses versículos, observam-se as expressões “o homem de Deus” e “o Senhor lhe disse”,  claramente associadas ao “vidente” e “profeta”, referindo-se ao próprio Samuel. Há dezenas de outras expressões que designam as pessoas possuidoras dos mesmos dons de Samuel, como, por exemplo, os  oráculos, pitonisas, sibilas, hierofantes e, atualmente, os médiuns. Destaca-se a naturalidade com que os homens, à época, buscavam os profetas para tratarem de suas necessidades materiais, pessoais e espirituais.

Segundo o historiador Heródoto, o rei Creso (500 a.C) da Lídia usualmente consultava os profetas sobre importante decisão que deveria tomar em relação aos persas. Nessa mesma época, já florescia o Templo de Apolo em Delfos, cujas pitonisas atendiam com frequência aos sábios atenienses.

A vidência de Samuel poderá ser analisada inicialmente segundo o conceito de mediunismo – práticas empíricas da mediunidade, ou seja, as formas sucessivas do mediunismo primitivo, oracular e bíblico, que só atinge a mediunidade positiva com o surgimento do Espiritismo. Somente com o Espiritismo a mediunidade se define como condição natural da espécie humana, recebe a designação precisa de “mediunidade” e passa a ser tratada de maneira racional e científica. (J. Herculano Pires em O Espírito e o tempo).

Os estudos sociológicos do mediunismo referem-se sempre ao Espiritismo. Entretanto, a palavra “Espiritismo”, criada por Allan Kardec, em 1857, e por ele bem explicada na introdução de O Livro dos Espíritos, designa uma doutrina por ele elaborada, com base na análise dos fenômenos mediúnicos e graças aos esclarecimentos que os Espíritos lhe forneceram, a respeito dos problemas da vida e da morte. As práticas do chamado “sincretismo religioso afro-brasileiro”, por exemplo, não são espíritas. O sincretismo religioso é um fenômeno sociológico natural. “O Espiritismo é uma doutrina.”

Concluindo, portanto, esta análise inicial, encontramos em Allan Kardec o significado para “homens de Deus” e quem era o “Senhor” que se expressava pela vidência de Samuel: “Toda pessoa que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium. Essa faculdade é inerente ao homem e, consequentemente, não é privilégio exclusivo; assim, poucos há nos quais não seja ela encontrada, embora em forma rudimentar. Pode, pois, dizer-se que todo mundo é mais ou menos médium. Contudo, em geral essa qualificação só se aplica às pessoas nas quais a faculdade mediatriz esteja claramente caracterizada e se traduza por efeitos patentes de uma certa intensidade, o que, então, depende de uma organização mais ou menos sensitiva. Além disso, é de notar-se que essa faculdade não se revela em todos do mesmo modo: geralmente os médiuns têm uma aptidão especial para esta ou aquela ordem de fenômenos, o que determina tantas variedades quantas as espécies de manifestações.” (Instruções práticas sobre as manifestações espíritas Cap V).

Vicente Oliveira

A natureza das vicissitudes e das provas que experimentamos pode também nos esclarecer sobre o que fomos e sobre o que fizemos, assim como julgamos, neste mundo, os atos de um culpado pelo castigo que a lei lhe inflige.

— Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Questão 399