Já não há crianças
Postado: 18 abril 2017 16:53h
Autor: Vicente Oliveira
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“Le Journal”, assim como a grande imprensa parisiense, ordinariamente tão céptica, no final do século 19, encerra assim uma de suas matérias: “Miguel Ângelo ainda não acabara de usar seus primeiros calções e seu mestre Ghirlandajo despedia-o do atelier porque ele não tinha mais nada a aprender. Aos 2 anos, Henri de Heinecken falava três línguas. Aos 4, Batista Raisin mostrava, no violino, rara virtuosidade. Aos 6, Mozart compunha seu primeiro concerto. Hoje é Willy Ferreros quem espanta Paris pela segurança, pela arte e pela fantasia com que dirige a orquestra na Revue des Folies-Bergère. Já não há crianças.”

De fato, Willy Ferreros, com 4 anos e meio, dirigia com maestria a orquestra do “Folies-Bergère”, de Paris e depois a do Cassino de Lyon. Gabriel Delanne narra também o seguinte: “Tive o prazer de ver, no Congresso de Psicologia de 1900, o jovem Pepito Ariola, que, aos 3 anos e meio, tocava e improvisava ao piano árias variadas. O professor Charles Richet publicou sobre o caso um estudo no qual disse que ele tocou diante do rei e da rainha de Espanha seis composições de sua invenção, sem conhecer as notas, nem saber ler ou escrever. É muitas vezes bem difícil, acrescenta Richet, dizer, quando se ouve um improvisador, de quem é a invenção, e que se trata da reprodução, pela memória, de árias e trechos já ouvidos.

“É certo, entretanto, que Pepito improvisa com perfeição e apresenta, muitas vezes, melodias extremamente interessantes, que parecem mais ou menos novas aos assistentes. Há uma introdução, um meio, um fim e, ao mesmo tempo, uma variedade, uma riqueza de sonoridade, que talvez espantassem, num músico de profissão; numa criança, porém, de três anos e meio, torna-se o fato absolutamente assombroso”.

Sobre o surgimento de crianças-prodígios, somente no campo das artes, em especial a música, podemos citar mais alguns que deixaram registros dos seus feitos:

No século XVII, Haendel, com 10 anos, compunha motetes (trechos de música religiosa e polifônica, cantado a três vozes), que se cantavam na igreja de Halle. O caso de Mozart é bem conhecido. É notório que na idade de quatro anos executava uma sonata, e sua faculdade musical desenvolveu-se tão rapidamente que aos 11 anos compôs duas pequenas óperas. Aquele a quem chamavam o deus da Música, Beethoven, já se distinguia aos 10 anos por seu notável talento. E, noutro gênero, a precocidade do grande violinista Paganini foi tal que, aos nove anos, já o aplaudiam num concerto, em Gênova. Aos seis anos, Meyerbeer possuía bastante talento para dar concertos muito apreciados. Liszt, maravilhoso virtuose desde a mais tenra infância, escreve, aos 14 anos, uma ópera em um ato, D. Sancho ou o Castelo do Amor. Arthur Rubinstein excitou a admiração universal, pela beleza de seu toque ao piano. Pablo de Sarasate, aos 11 anos, mostrava já as qualidades de pureza de som e de estilo, que fizeram dele o maior violinista do século 19. Saint-Saëns, virtuose precoce, aos 11 anos dava seu primeiro concerto de piano e tinha apenas 16 quando fez executar sua primeira sinfonia.

 

As crianças-prodígio provam-nos, com evidência irresistível, que a inteligência é independente do organismo que a serve, e isto porque as mais altas formas da atividade intelectual se mostram entre aqueles cuja idade não atingiu a maturidade plena. E Allan Kardec, no Livro O que é o Espiritismo, apresenta-nos as seguintes proposições:

117Qual o estado intelectual da alma da criança no momento de nascer?
Seu estado intelectual e moral é o que tinha antes da união ao corpo, isto é, a alma possui todas as ideias anteriormente adquiridas, mas, em razão da perturbação que acompanha a mudança de estado, suas ideias se acham momentaneamente em estado latente. Elas se vão esclarecendo aos poucos, mas não se podem manifestar senão proporcionalmente ao desenvolvimento dos órgãos.

118Qual a origem das ideias inatas, das disposições precoces, das aptidões instintivas para uma arte ou ciência, abstração feita da instrução?
As ideias inatas não podem ter senão duas fontes: a criação das almas mais perfeitas umas que as outras, no caso de serem criadas ao mesmo tempo que o corpo, ou um progresso por elas adquirido anteriormente à encarnação. Sendo a primeira hipótese incompatível com a Justiça de Deus, só fica de pé a segunda. As ideias inatas são o resultado dos conhecimentos adquiridos em existências anteriores, são ideias que se conservaram no estado de intuição, para servirem de base à aquisição de outras novas.

Fontes: “A Reencarnação”, Gabriel Delanne; e “O que é o Espiritismo”, Allan Kardec.

Há sensações que tem sua fonte no próprio estado de nossos órgãos. Ora, as necessidades inerentes ao nosso corpo não podem ocorrer, desde que o corpo não existe mais. O Espírito, portanto, não experimenta fadiga nem necessidade de repouso ou nutrição, porque não tem nenhuma perda a reparar, como não é acometido por nenhuma de nossas enfermidades.

— Allan Kardec, Revista Espírita, Abril/1859/ “Quadro da vida espírita” – L.E itens 253 à 257