Conversando sobre o Espiritismo
Postado: 11 janeiro 2017 20:57h
Autor: Vicente Oliveira
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“… Quando fui o mais longe que pude, não fiquei, porém, nem um pouco satisfeito. Ainda avisto terra mais além, que com meus olhos turvos e nublados não consigo decifrar.”Ensaios, Michel de Montaigne

O texto da citação de Montaigne, contida no belo ensaio “Sobre a educação das crianças”, chama-nos a atenção para inúmeras ocorrências que passam diante dos nossos desatentos olhares que, no entanto, poderão descortinar, em profundidade, as causas dos chamados fenômenos extrafísicos, desde que busquemos ajustar os nossos olhares, corações e mentes para perceber a existência dessas “terras mais além”.

Procuraremos, a seguir, ilustrar, por meio de um exemplo retirado da literatura, esta nossa proposição.

Trata-se de interessante fenômeno ocorrido com o filósofo iluminista suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), descrito no livro “Textos autobiográficos e outros escritos”.

Rousseau revela, com riqueza de detalhes surpreendentes, como foi redigida parte de suas três grandes obras, provavelmente: “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755)”, “Do contrato social (1762) e “Emílio, ou da educação” (1762).

Os acontecimentos remontam a Denis Diderot (1713-1784), enciclopedista, que foi submetido à força da censura por seus textos filosóficos e literários. Sendo condenado a 100 dias de reclusão numa cela da cadeia de Vincennes, por publicar a memorável “Carta sobre os cegos endereçada àqueles que enxergam” (1749). Eis integralmente o relato do próprio J.J. Rousseau:

“Eu iria visitar Diderot, então prisioneiro no castelo de Vincennes; trazia no bolso um Mercure de France que me pus a folhear ao longo do caminho. Caiu-me sob os olhos a questão da Academia de Dijon que ocasionou meu primeiro escrito. Se alguma coisa já se assemelhou a uma inspiração súbita, foi o movimento que se fez em mim diante dessa leitura; de repente sinto o meu espírito ofuscado por mil luzes; multidões de ideias vivas nele se apresentavam ao mesmo tempo, com uma força e uma confusão que me lançaram numa perturbação inexprimível; sinto a cabeça tomada por um atordoamento semelhante à embriaguez.

Uma violenta palpitação me oprime e ergue o meu peito; não podendo mais respirar ao caminhar, deixo-me cair sob uma das árvores da avenida, e passo meia hora em uma tal agitação que, ao levantar-me, percebi toda a frente do meu casaco molhado pelas minhas lágrimas sem ter sentido que as derramava. Oh! Senhor, se pudesse ter podido alguma vez escrever sob aquela árvore, com que clareza teria feito ver todas as contradições do sistema social, com que força teria exposto todos os abusos de nossas instituições, com que simplicidade teria demonstrado que o homem é naturalmente bom e que é somente por tais instituições que os homens se tornam maus.

Tudo o que pude reter destas multidões de grandes verdades que, durante um quarto de hora, me iluminaram sob aquela árvore ficou bem frouxamente disperso nos meus três principais escritos, isto é, esse primeiro discurso, aquele sobre a desigualdade e o tratado da educação, três obras que são inseparáveis e formam, juntas, um mesmo todo. Todo o resto ficou perdido e somente foi escrita, no próprio local, a prosopopeia de Fabricius. Eis como, quando menos pensava no fato, tornei-me autor quase a despeito de mim mesmo.”

Haverá alguma explicação razoável para o fenômeno ocorrido com Rousseau?

Certamente que sim! Abordaremos, no momento, apenas uma dessas possibilidades.

Rousseau descreve com minudências a inspiração que o acometeu subitamente, diante da leitura de um texto no jornal Mercure. Daí em diante há o desenrolar das sensações físicas, com palpitações intensas, respiração descontrolada e a mente tomada por um caleidoscópio de luzes e ideias em perturbação inexprimível. Impedido de continuar a caminhada devido à profunda sensação de embriaguez, recosta-se numa árvore e, durante meia hora, ali permanece em agitação febril, ao fim da qual viu-se banhado pelas lágrimas, que não sentira escorrer…Tudo isto já seria um vasto material para perquirições e análises, Rousseau, contudo, prossegue ainda, com fatos mais contundentes ao relatar que tudo o que viu e sentiu ficou frouxamente disperso nos seus três principais escritos, porém, a “Prosopopeia a Fabricius” fora integralmente redigida sob aquela árvore…e todo o resto ficou perdido.

Os instrumentos que nos permitem decifrar “as terras mais além” de Montaigne, para este fenômeno com Rousseau, poderão ser encontrados no Livro dos Médiuns, com seu vasto manancial de instruções e exemplos, em especial no capítulo XIV, Dos Médiuns, itens 161 (Os médiuns involuntários) e 164 (Médiuns sensitivos ou impressionáveis). Também no Livro dos Espíritos, na 2ª parte, pode-se recorrer ao capítulo VIII – da Emancipação da Alma – no qual Allan Kardec trata da transmissão oculta dos pensamentos, do sonambulismo, do êxtase e da dupla vista. Ou ao capítulo IX – Da Intervenção dos Espíritos no Mundo Corporal, em que buscamos uma das questões para o encerramento e reflexão do presente texto: “471. Quando experimentamos uma sensação de angústia, de ansiedade indefinível, ou de íntima satisfação, sem que lhe conheçamos a causa, devemos atribuí-la unicamente a uma disposição física?

“É quase sempre efeito das comunicações em que inconscientemente entrais com os Espíritos, ou da que com elas tivestes durante o sono.”
Vicente Oliveira

Janeiro, 2017

Assim, pois, o Espiritismo se fundamenta em princípios gerais independentes de toda questão dogmática. É verdade que ele tem consequências morais, como todas as ciências filosóficas. O Espiritismo NÃO é, pois, uma religião. Do contrário, teria seu culto, seus templos, seus ministros. Sem dúvida cada um pode transformar suas opiniões numa religião e interpretar à vontade as religiões conhecidas, mas daí à constituição de uma nova igreja há uma grande distância e penso que seria imprudência seguir tal ideia. Em resumo, o Espiritismo ocupa-se da observação dos fatos e não das particularidades desta ou daquela crença; […]

— Allan Kardec, Revista Espírita, Maio/1859/ “Refutação de um artigo de “L ‘Univers”