As guerras e o mundo espiritual
Postado: 18 junho 2017 21:18h
Autor: João Fontoura
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Muitas vezes o tema desperta interesse em pessoas cuja história pessoal ou familiar não tem qualquer passagem por guerras. No entanto, se pararmos para refletir, talvez identifiquemos, em nós mesmos, atitudes “belicosas” em relação a situações ou pessoas, na forma como lidamos com elas ou com problemas que se nos apresentam. Vá-rias guerras foram consideradas justas, a seu tempo, por agressores e agredidos, e muitas pessoas aderiram com entusiasmo – a exemplo da Primeira Guerra Mundial. Apesar do nosso lento progresso moral, hoje a guerra é vista, na maior parte do mundo, como atrocidade a ser evitada.

Mas quanto ainda conservamos da atitude que leva à guerra? Qual seria nossa atitude, por exemplo, diante de um manifestante político mascarado e potencialmente violento? Oramos por ele? Ou sentimos raiva ou medo, e rea-gimos violentamente? É difícil nos mantermos equilibrados diante de uma situação como essa, mas talvez comba-tendo as causas – nossos instintos de natureza animal e imperfeições espirituais – possamos minimizar os efeitos.

Do ponto de vista da reencarnação, existe uma alta probabilidade de já termos participado de guerras, e de termos sido algozes ou vítimas – ou ambos! As experiências vividas ficam inconscientemente marcadas e influenciam nossas ações e reações. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, foram 55 milhões de mortos, entre civis e militares.

O Livro dos Espíritos nos ensina:

Pergunta 742: “O que leva o homem à guerra?”
Resposta
: “Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e saciedade das paixões. No estado de barbárie, os povos só conhecem o direito do mais forte; é por isso que a guerra constitui para eles um estado normal. À medida que o homem progride, ela se torna menos frequente, porque ele lhe evita as causas; e quando ela é necessária, ele sabe fazê-la com humanidade.”

Pergunta 743: “A guerra desaparecerá um dia da face da Terra?”
Resposta: “Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus; então, todos os povos serão irmãos.”

Pergunta 542: “Na guerra, a justiça está sempre de um lado; como é que Espíritos tomam partido daquele que não tem razão?”
Resposta: “Bem sabeis que há Espíritos que apenas buscam a discórdia e a destruição; para eles, a guerra é a guerra; a justiça da causa pouco lhes toca.”

Será que poderemos conservar essas animosidades em outras vidas? Depende de quão sensíveis somos às experiências vividas e da nossa capacidade de superá-las, portanto, da elevação espiritual de cada um. Será que, com o esquecimento, ao reencarnar, recebemos oportunidades de acabar definitivamente com elas? Raciocinando por essa lógica, devemos estar atentos a essas oportunidades.

Em Nosso Lar, editado em 1944, André Luiz descreve a preparação da colônia espiritual para o início da Segunda Guerra, em 1939: “Nos primeiros dias de setembro de 1939, Nosso Lar sofreu, igualmente, o choque por que passaram diversas colônias espirituais, ligadas à civilização americana. Era a guerra europeia, tão destruidora nos círculos da carne, quão perturbadora no plano do espírito”.

André Luiz descreve os preparativos para o auxílio espiritual aos desencarnados e a grande mobilização necessária, bem como a atitude dos Espíritos superiores: “Reconheci que os Espíritos superiores, nessas circunstâncias, passam a considerar as nações agressoras não como inimigas, mas como desordeiras e cuja atividade criminosa é imprescindível reprimir”.

“Infelizes dos povos que se embriaguem com o vinho do mal (…); ainda que consigam vitórias temporárias, elas servirão somente para lhes agravar a ruína, acentuando-lhes as derrotas fatais. Quando um país toma a iniciativa da guerra, encabeça a desordem na Casa do Pai, e pagará um preço terrível”. “(…) nos acontecimentos desta natureza, os países agressores convertem-se, naturalmente, em núcleos poderosos de concentração das forças do mal. Sem se precatarem dos perigos imensos, esses povos (…) embriagam-se ao contato dos elementos de perversão, que invocam das camadas sombrias. Coletividades operosas (1) convertem-se em autômatos do crime. Legiões infernais precipitam-se sobre grandes oficinas do progresso comum (2) transformando-as em campos de perversidade e horror (3)”.

(1) Por exemplo, a sociedade alemã nos anos 30.
(2) A Ciência – incluindo a engenharia e a medicina – a serviço da destruição.
(3) Remete à “banalidade do mal”, identificada pela filósofa Hannah Arendt: agressores ficam desprovidos de qualquer sentimento de culpa.

O plano espiritual reproduz o ambiente terreno, mas a solução vem na forma de tolerância e tratamento de igual para igual, sem as dissenções, o separatismo e a xenofobia que caracterizam as relações que levam à guerra.

O Livro dos Espíritos novamente esclarece e confirma:

Pergunta 749: “O homem é culpado pelos assassínios que comete na guerra?”
Resposta: ”Não, quando ele é constrangido pela força; mas é culpado pelas crueldades que cometa, e ser-lhe-á levado em conta o seu sentimento de humanidade.”

As passagens sugerem os dramas de consciência por que passa o espírito envolvido na guerra. Como evitar essas situações? As respostas devem vir de nossa consciência e ser efetivadas pela vigilância constante. Em “A caminho da luz”, Emmanuel nos conforta quanto ao futuro, por mais improvável que possa parecer:

“O determinismo do amor e do bem é a lei de todo o Universo, e a alma humana emerge de todas as catástrofes em busca de uma vida melhor”.

“Ditadores, exércitos, hegemonias econômicas, massas versáteis e inconscientes, guerras inglórias, organizações seculares passarão com a vertigem de um pesadelo”.

“A vitória da força é uma claridade de fogos de artifício”.

“Toda a realidade é a do Espírito, e toda a paz é a do entendimento do reino de Deus e de Sua justiça.”

“Embora compelida a participar das lutas (…), a América está destinada a receber o cetro da civilização e da cultura, na orientação dos povos porvindouros” (o livro foi escrito em 1938, cerca de um ano antes do começo da Segunda Guerra).

“Nos campos exuberantes do continente americano estão plantadas as sementes de luz da árvore maravilhosa da civilização do futuro”.

Daí a nossa responsabilidade de cumprir este desígnio – muitos de nós podemos ser antigos europeus, orientais ou africanos, que, não por acaso, reencarnamos em uma terra de tolerância racial e religiosa, distante geograficamente das regiões conflagradas do mundo (e por isso com relativa proteção). Esta missão é confirmada em “Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho”, ditado pelo Irmão X.

Vejamos o bonito exemplo de civilização que demos na Copa do Mundo e nas Olimpíadas, quando recebemos com alegria e respeito povos de todo o mundo em paz e relativa segurança. Ainda que de forma imperfeita, conseguimos dar um exemplo de hospitalidade e fraternidade, tão necessário nos tempos conturbados em que vivemos.

 

O Espiritismo se apresenta sob três aspectos diferentes: o das manifestações, o dos princípios e da filosofia que delas decorrem e o da aplicação desses princípios. Daí, três classes, ou, antes, três graus de adeptos: 1º os que creem nas manifestações e se limitam a comprová-las; 2º os que lhe percebem as consequências morais; 3º os que praticam ou se esforçam por praticar essa moral.

— Santo Agostinho, O LIVRO DOS ESPÍRITOS – Conclusão, item 7